Memória motora – Por que nunca nos esquecemos de como andar de bicicleta?


Evidentemente isso não é de todo verdadeiro, pois, embora raros, existem danos neurológicos que podem promover o esquecimento de habilidades motoras, tais como andar de bicicleta, dançar, tocar um instrumento, etc.

No entanto, o foco desse artigo fundamenta-se nos casos mais gerais, na faixa comportamental que ousamos denominar normalidade, na qual se verifica que, mesmo passadas décadas desde o seu último contato com uma bicicleta, por exemplo, a habilidade motora adquirida permanece, pelo menos em seus aspectos medulares: o indivíduo consegue dar umas pedaladas, mesmo que sem a desenvoltura anterior.

Por quê?

Tal faculdade está relacionada ao que se denomina memória motora, um termo chave que descreve uma gama comportamental bastante ampla, daí a necessidade de se estabelecer um contorno conceitual.

De acordo com os neurocientistas Squire e Kandel existem diversos níveis de memória:
Nível 1 — Memória Declarativa ou explícita: Todo o tipo de evento memorizado que pode ser verbalizado, ou seja, traduzido em palavras.

Pode ser subdividida em memória semântica ou episódica.

Será denominada episódica quando relacionada aos eventos que podem ser verbalizados num contexto histórico, numa dada linha de tempo. Por exemplo uma narrativa sobre o dia de seu casamento, sobre um filme que você assistiu, etc.

Em contrapartida será denomina semântica quando se reportar aos conceitos memorizados, tais como o significado das palavras e a explicação do mundo das coisas.

Nível 2 — Memória Não-declarativa ou implícita: Todo o tipo de registro em nossa memória que não pode ser verbalizado.  Tais como as habilidades motoras e as emoções.
No primeiro caso tempos a memória implícita associativa relacionada a aquisição e alteração de habilidades cinestésico-corporais. Nas quais estão associadas a percepção e a motricidade.

É exatamente nesse estágio que atua o aprendizado de novos gestos e a evolução de tais competências, ligadas ao reflexo, aos sistemas perceptivos e também à própria motricidade.

A palavra chave para a aquisição e evolução desse tipo de memória é a repetição.

Os pesquisadores observaram que o reforço promovido pela repetição promove uma variação de gradiente de RNA no citoplasma dos neurônicos, distribuídos por todo o cérebro e também pelo tubo neuronal.

Essa alteração é apenas um dos fatores do acesso espontâneo da habilidade adquirida.

O que é denominado “mecanização”, ou seja, aquela habilidade que não precisa ser “pensada” para ser utilizada.

É pela repetição que tal reforço é conquistado. Daí a necessidade de praticar para adquirir e fazer evoluir essas habilidades cinestésico-corporais.

Quando se aprende a andar de bicicleta, a harmonização de todos os “movimentos encadeados” característicos de tais competências tais como percepção, equilíbrio, decisão e motricidade se dão num plano espontâneo no qual você se equilibra na bicicleta, por exemplo, sem precisar “pensar” para isso. E é algo que não pode ser verbalizado.

Mesmo com o abandono da prática diária um certo gradiente de RNA permanece, como um marcador de registro. E isso foi conquistado devido ao reforço criado pela repetição.

Assim, fica fácil retomar à prática, anos mais tarde sem os deslizes naturais cometidos por um iniciante.

Aliado a esses fatores cognitivos e neurológicos, existe também a própria memória muscular.

Alguns pesquisadores acreditam que com a hipertrofia muscular conquistada por meio da prática até certo ponto repetitiva de determinado movimento promove o aumento do número de núcleos celulares no próprio tecido muscular.

Mesmo com a perda de massa muscular promovida pela atrofia decorrente do abandono de tal prática, não se observa uma retração desse número de núcleos celulares aos valores de um iniciante.

Novamente o RNA está relacionado à ação dessas células polinucleadas e o trânsito de energia de célula a célica que é capaz de favorecer a execução dos movimentos previamente aprendidos.

Embora esse mecanismo não esteja totalmente elucidado, muitas pesquisas apontam para que essa seja a chave da transformação da memória de curto prazo (que apresenta natureza elétrica) em memória de longo prazo (que possui natureza molecular).

Grosso modo, tais mecanismos de transformação estariam relacionados à variação de concentração de diversas substâncias no corpo químico de cada célula e que se daria principalmente durante o sono. O RNA seria apenas uma delas.

Numa indução podemos concluir que aquilo que ocorre com a mente ocorre também com o corpo como um todo.

Movimentos mentais ou físicos repetidos de forma inteligente, ou seja, fundamentados em uma metodologia adequada leva a um aprendizado que pode perdurar por toda a vida.

Sem dúvida uma vantagem evolutiva:

Não esquecer o que aprendemos no plano físico ou mental nos protege de repetir os mesmos erros.

Fonte: hypescience

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